Liderada por estatais no pregão que sucedeu um primeiro turno com tendências mais conservadoras nas eleições, a alta do Ibovespa sinaliza novamente a visão que o mercado tem sobre qual deve ser a atuação do governo nas companhias de administração pública listadas. Ações ligadas ao governo federal, caso de Petrobras e Banco do Brasil, e também as estaduais, como Sabesp, Cemig e Copasa, registraram algumas das maiores altas do dia, refletindo os resultados do pleito de domingo.
No centro do debate entre políticos de esquerda e direita sobre o papel do Estado na economia, com os primeiros adotando discurso mais intervencionista, as empresas estatais têm, historicamente, um prêmio de risco associado às possíveis ingerências do governo. Assim, participantes do mercado tendem a ser mais favoráveis a políticos com tendências privatistas ou menos atuantes.
No domingo, o que se viu foi os dois principais candidatos à Presidência separados por margem menor do que as pesquisas indicavam – resultado que pode demandar uma postura mais centrista de Lula (PT) -, com um Congresso de perfil mais conservador eleito e candidatos a governos estaduais com tendências privatistas bem colocados ou vitoriosos, como Romeu Zema (Novo) em Minas Gerais.
“Nossa leitura é que o resultado da eleição foi melhor para a ‘cesta Bolsonaro’”, diz Fernando Siqueira, chefe de pesquisa da Guide Investimentos, referindo-se às ações que, na visão do mercado, tendem a ir melhor com a vitória do atual presidente. “Mesmo que o Lula acabe ganhando, o Congresso é mais de centro e de direita, então o Lula não conseguirá fazer tudo o que deseja.”
Entre os papéis da “cesta Bolsonaro” se destacaram Petrobras e Banco do Brasil. As ações preferenciais da petrolífera subiram 7,99% e as ordinárias, 8,63%. Já os papéis do banco público avançaram 7,63%, ganho maior do que o das instituições financeiras privadas. No ano, as empresas também têm performance semelhante ou até superior aos seus pares, mesmo após turbulências com a atual gestão federal.
Segundo André Carvalho, estrategista de ações para América Latina e chefe da área de análise do Bradesco BBI, os benefícios podem ser mais claros para as empresas controladas pelos Estados. Na sessão, Copasa PN ganhou 18,79%, Sabesp ON disparou (16,94%), Cemig ON avançou 10,69% e Ecorodovias ON, que pode ganhar com novas concessões, melhorou 10,66%.
“Para as estaduais, a chance é que se abra um caminho para os governos capitalizarem essas companhias. Já em relação às empresas ligadas ao governo federal, a alta tem mais a ver com a descompressão de risco que vimos na bolsa como um todo. Como são mais descontadas que a média, essas empresas tendem a reagir com mais força em sessões positivas.”
O executivo aponta, adicionalmente, que acredita que a alta registrada ontem pode ser duradoura, já que houve redução sensível dos riscos negativos. Na sua visão, o grande risco agora é “ficar leve demais” e perder o movimento altista que pode ser fortalecido com anúncios de qualquer uma das partes durante o segundo turno.
Para Isabel Lemos, gestora de renda variável da Fator Administração de Recursos, o impacto da eleição nos papéis é mais marginal, dado o avanço firme das bolsas de Nova York e do petróleo na sessão, os “valuations” atrativos da bolsa local e o bom posicionamento relativo do Ibovespa ante os pares. Ela diz esperar volatilidade no curto prazo, mas entende que as empresas vão performar normalmente ao longo do tempo.
“Uma possibilidade menor de intervenção pode ter tido uma influência marginal, mas essas empresas estão mais blindadas hoje. O próprio Bolsonaro fez menção de intervir nos preços da Petrobras, mas não conseguiu. Durante e depois das eleições, deve haver ajuste de curto prazo, seja por aversão a riscos ou expectativa de melhora na operação. Mas, no longo prazo, isso vai se ajustando”, afirma.
Para o sócio-fundador da NAU Capital, Evandro Bertho, mesmo após os ajustes de ontem, o Ibovespa ainda opera com desconto de 30,4% ante o MSCI Emerging Market, cálculo que leva em consideração a relação preço/lucro desses mercados. Historicamente, esse desconto é de 2,8%. “A ideia de um ambiente mais progressista, onde haja mais insegurança jurídica, seria pior. À medida que reduz essa probabilidade, os players locais são favorecidos.”
Fonte: O Globo