A bióloga Ana Paula Borges, 32, diz que não pode ficar “refém da profissão” que escolheu para trabalhar. Dona de um mestrado e sem oportunidades na sua área, ela já trabalhou em diversos lugares diferentes desde que se formou, de padaria a escritório de contabilidade. Mas é a faxina na casa de amigos e conhecidos que garante o seu sustento.
Ex-aluna da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), Ana Paula obteve o título de mestre ao defender sua dissertação em morfologia animal em 2017. Ela foi responsável pela coordenadoria do núcleo técnico de flora do zoológico municipal de Uberlândia por três anos, até pedir para sair em 2019.
Sem conseguir emprego, foi forçada a trocar o cuidado com a natureza pelo asseio com o lar alheio. A bióloga conta que a escolha pelas faxinas foi natural, pois ela já limpava casas desde a faculdade, quando teve que se virar após sua bolsa de iniciação científica de R$ 400 ser suspensa por causa de uma greve na universidade.
Para organizar seu trabalho, diz que conversa com os donos da casa sobre o que e como precisam limpar, pede um vídeo para mostrar a situação dos cômodos e acerta o valor.
Para limpar um apartamento, ela cobra de R$ 150 a R$ 250 a diária. Seus ganhos mensais, em um período de muitos atendimentos, chegam a R$ 1.400.
Ana Paula escolhe bem os clientes —aceita atender apenas amigos e indicações de amigos— e os dias da semana. O trabalho é cansativo e exige muito esforço físico, o que a impossibilita de cumprir um turno de segunda a sexta, diz. No tempo livre, faz bicos em escritórios de contabilidade e recepção em eventos.
“As faxinas não me envergonham, não me fazem sentir menor. Quando eu escuto um comentário positivo, sinto que de alguma forma mudei o ambiente da casa de alguém.”
Cai o número de mestres e doutores empregados
Uma pesquisa do CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos), organização social supervisionada pelo MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), aponta queda no número de pessoas com mestrado e doutorado inseridas no mercado de trabalho formal.
De acordo com o documento lançado em 2020, a taxa de emprego formal para mestres caiu de 66,7% em 2009 para 62,2% em 2017. A taxa de emprego formal para doutores passou de 74,8% para 72,3% no mesmo período. Não há dados mais recentes.
Entre 2009 e 2017, a a taxa de emprego formal dos doutores foi maior em 2010 (76,7%), mas apresentou queda nos anos seguintes até alcançar 72,3% em 2017. A taxa de emprego dos mestres foi maior em 2011 (67,2%) e também caiu ao longo do período, atingindo 62,2% em 2017.
O CGEE destaca, porém, que o crescimento de empregos formais para mestres (92%) e (125%) foi maior do que a população em geral (12%).
Apenas uma oportunidade
No início deste ano, Ana Paula até ensaiou uma despedida das faxinas quando conseguiu uma vaga em um zoológico no Espírito Santo e teve de mudar de estado, mas ficou apenas três meses no cargo.
“A proposta que me fizeram não era real, não condizia com o que me foi prometido”, resume, decepcionada, a bióloga. Diz que se demitiu.
Segundo ela, a mão de obra na biologia está precarizada, e a consequência disso são vagas sem direitos trabalhistas que pagam mal e exigem mais de oito horas de trabalho por dia, inclusive aos fins de semana.
Na hora de procurar emprego, o diploma de mestrado faz pouca diferença. A experiência malfadada de estudos fez com que Ana Paula desistisse de tentar o doutorado porque, de acordo com ela, estaria muito vinculada à academia e não teria a chance de realizar outros trabalhos.
Porém, desistir da biologia não passa pela sua cabeça. “Eu nunca vi futuro no doutorado, do ponto de vista profissional. Se for para entrar em programa de doutorado e o governo me consumir, eu prefiro fazer o meu próprio caminho fora [de uma universidade]”, diz ela, que critica a falta de reajuste das bolsas federais, que pagam de R$ 1.500 (mestrado) a R$ 2.200 (doutorado) desde 2013.
Ana Paula conseguiu um emprego como analista comercial em uma empresa que faz levantamento e monitoramento em ambientes aquáticos para companhias que precisam de autorizações ambientais. Ela se mudou para o Guarujá, litoral de São Paulo, em setembro. Ainda não é na sua área de formação, mas ela espera em algum momento subir esse degrau.
Crédito: Uol Economia