O mercado imobiliário tem sido palco de uma série de desafios, e um deles ganha destaque: o crescente número de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) que se encontram em situação de “estresse”. Isso significa que as incorporadoras, por diversas razões, têm encontrado dificuldades em manter os pagamentos em dia. Diante desse cenário, os gestores de fundos de investimento, especialmente os fundos imobiliários (FIIs) que detêm esses títulos, estão se sentando à mesa para negociar alternativas e proteger o retorno esperado pelos cotistas.
Esses credores, que são em grande parte fundos imobiliários responsáveis por prestar contas aos seus investidores, têm demonstrado flexibilidade. “Os gestores têm aceitado ou até antecipado repactuações para evitar o inadimplemento nas carteiras dos fundos”, explica Carlos Brihy, diretor da consultoria Alvarez & Marsal. Um exemplo prático é o do fundo Suno Recebíveis Imobiliários (SNCI11), que em junho aprovou a prorrogação do vencimento de obrigações de um CRI ligado à construtora RDR, de Itu (SP). O objetivo foi dar fôlego para a empresa finalizar suas obras e receber os pagamentos de clientes.
No universo dos investimentos, esses acordos são chamados de “waivers”, um termo técnico para a flexibilização das obrigações contratuais. “Em vez de executar a dívida, alongam-se os prazos de pagamento. Nenhum gestor quer tomar o ativo, bancar condomínio e IPTU ou ter que terminar as obras. Ele quer receber o dinheiro”, pondera Vitor Duarte, diretor de investimentos da Suno Asset. Recentemente, o Banestes Recebíveis (BCRI11) teve de ajustar condições de CRIs do Grupo WAM, conhecido por empreendimentos de multipropriedade. Um dos CRIs obteve um waiver para juros e amortização, estendendo o prazo final de vencimento em dois anos. Contudo, outro CRI da mesma empresa entrou em inadimplência neste mês, e seu futuro será debatido em assembleia de credores.
Desafios e Custos da Negociação
Marcos Amaral Vargas, Diretor de Gestão de Recebíveis na Banestes, esclarece que a WAM está em fase de reestruturação, necessitando de um “respiro” para reequilibrar suas operações. Apesar de o BCRI11 ter cerca de dez CRIs em situação de inadimplência, representando 15,5% da carteira, Vargas defende que “a carteira é pulverizada e está saudável”, com os casos sendo monitorados de perto. Paralelamente, o fundo Urca Prime Renda (URPR11) também se viu em negociações com incorporadoras. Mesmo com uma inadimplência relativamente baixa, em torno de 4,5% do portfólio, a estratégia adotada teve um custo alto para os cotistas. Os gestores do URPR11 temporariamente abriram mão do recebimento de juros de dívidas, permitindo que as empresas usassem o dinheiro para finalizar obras. O objetivo era evitar a paralisação dos canteiros e, mais drasticamente, a tomada dos empreendimentos inacabados como garantia, o que geraria mais problemas e custos.
Essa medida, embora estratégica para o fundo, resultou em uma redução de aproximadamente R$ 45 milhões na distribuição de dividendos do URPR11 em 2024. Além disso, há uma previsão de aportar mais R$ 61 milhões em obras ainda em andamento. Naturalmente, essa situação impactou a percepção dos investidores, e as cotas do fundo tiveram uma desvalorização significativa, caindo pela metade — de R$ 80 para R$ 40 — desde o ano passado. Exemplos de empresas que exigiram essa flexibilidade incluem a Terras Altas, no Rio Grande do Sul, e o Grupo Victoria Brasil, em Sergipe. Outro caso notável foi a renegociação de uma debênture de R$ 140 milhões do Grupo Prima, que resultou na entrega de empreendimentos ao fundo como forma de pagamento. Rafael Carlos, sócio-diretor da Alvarez & Marsal, salienta que, embora amigáveis, esses processos de waiver “geralmente isso envolve multa, aumento de taxa ou apresentação de mais garantias. Pode até ser um processo amistoso, mas nunca sai de graça.”
Mercado Mais Atento e Refinado
Apesar dos desafios atuais, especialistas veem um lado positivo nesse cenário. Lucas Drummond, Líder de Securitização da Opea, aponta que os problemas com os CRIs estão impulsionando um aprimoramento no mercado. Há uma crescente preocupação dos investidores em monitorar de perto as vendas, o andamento das obras e o fluxo de caixa das incorporadoras. Para garantir mais segurança aos negócios, tem aumentado a contratação de firmas de engenharia e contabilidade para fiscalizar as operações no local e certificar o pagamento de fornecedores. “Tem se desprendido um tempo maior nessas análises para entender o que refletem na operação de CRIs”, conclui Drummond. Este movimento sugere uma evolução na forma como o mercado de fundos imobiliários e títulos de recebíveis gerencia e mitiga riscos, buscando maior transparência e solidez para o futuro.
